Desigualdade Social: suas múltiplas expressões e formas de enfrentamento

Autores

  • Neiva Silvana Hack Centro Universitário Internacional (UNINTER)
  • Cleci Elisa Albiero Centro Universitário Internacional (UNINTER)
  • Mariana Patrício Richter Santos Centro Universitário Internacional (UNINTER)

Resumo

"A pobreza não é um acidente. Assim como a escravidão e o apartheid, ela é criada pelo homem e pode ser eliminada pelas ações humanas".

Nelson Mandela

 

Mais uma vez temos a honra de apresentar uma nova edição do Caderno Humanidades em Perspectivas, que se forma a partir do trabalho de muitos pesquisadores que compartilham os resultados de seus estudos e trabalhos. Esta edição traz temáticas e abordagens diversas, mas uma reflexão ganha destaque e perpassa os diferentes textos: a desigualdade.

A desigualdade não é um fenômeno novo nem raro em nossa sociedade, mas ainda ganha destaque como palco de discussão, estudos e pesquisas, devido a sua complexidade e importância nestes novos tempos. Sob o risco de ser naturalizada, exige um esforço de compreensão pautado em senso crítico e pesquisas consistentes. Suas consequências alteram o cotidiano de milhares de pessoas, nas mais diversas situações. A desigualdade é múltipla e estabelece seus traços nos abismos de renda encontrados no Brasil (e no mundo); na distinção de acessos e oportunidades determinadas pelo tom de pele, origem geográfica ou pelas vivências religiosas, culturais e afetivas; no desrespeito e dominação decorrentes do gênero, faixa etária ou condição de saúde. E essas expressões se estabelecem de forma interseccional, agravando realidades sociais já bastante endurecidas e ampliando o conjunto das violações de direitos cotidianas. Discutir desigualdade, assim, é imperativo nos espaços científicos e na sociedade, de forma ampliada, para que se possa reconhecê-la e enfrentá-la.

Evidentemente, não se trata de um debate inédito. Felizmente o tema já transpassa o campo das pesquisas e das políticas públicas, há bastante tempo. E, assim, é possível sinalizar avanços, mesmo diante de desafios e retrocessos. A legislação internacional e, mais especificamente, brasileira, no campo dos direitos humanos e das políticas públicas sociais demarca conquistas civilizatórias, ainda que jamais encerradas. Assim, iniciamos esta edição com debates relacionados às políticas públicas de enfrentamento à desigualdade social no Brasil. A partir de um estudo sobre políticas de transferência de renda, foi desenvolvido o artigo AS CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA PARA A REDUÇÃO DA MISÉRIA NO BRASIL E SEUS DESAFIOS. O texto articula a análise dos resultados do Programa Bolsa Família na redução da miséria e promoção da justiça social, com a importância do profissional assistente social nesse campo de intervenção. Os resultados indicaram que o programa foi determinante na redução das taxas de pobreza extrema e que não apenas aliviou a pobreza imediata, mas também contribuiu para a melhoria dos indicadores de saúde, educação e segurança alimentar. O texto seguinte também é construído a partir de experiências na política pública de assistência social, desdobrando análises acerca das demandas relacionadas à população migrante na cidade. O artigo Crescimento Invisível? O Aumento da População Migrante em Curitiba analisa o perfil sociodemográfico da população migrante atendida pela Política de assistência social no município de Curitiba entre os anos de 2021 e 2024. Sua análise compreende a discussão dos desafios da inclusão plena dos migrantes no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com base em princípios de justiça social e governança migratória local, como também os desafios às políticas intersetoriais sensíveis à diversidade cultural.

Os desafios que se interpõem às políticas e práticas de enfrentamento à desigualdade compreendem um conflito de narrativas, entre projetos de sociedade distintos. Ainda há de se enfrentar as formas de validar a reprodução da desigualdade e da diferença, como naturais e até desejáveis. Nessa perspectiva o texto O EPISTEMICÍDIO COMO JUSTIFICAÇÃO IDEOLÓGICA DA DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL aborda aspectos que levaram as chamadas epistemologias do norte a legitimar um discurso de superioridade branca europeia sobre as epistemologias do sul, povos escravizados e colonizados, seja pela hierarquização racial, feita através da diferença de superioridade étnica e racial, seja pela dicotomia maniqueísta criada entre civilização e barbárie, culto e inculto etc. A pesquisa, de caráter bibliográfico, demonstrou que sem uma profunda reflexão social dos processos históricos que consolidaram as estruturas de exploração e sem uma ação radical com participação das vozes silenciadas, que trabalhe a raiz e base para mudar estas estruturas, a tendência é perpetuar e aumentar as desigualdades no Brasil.

Os artigos seguintes abordam a desigualdade de gênero. Esta que se reproduz a partir de uma formação sócio-histórica de domínio do masculino, justificada nos arranjos políticos, religiosos e econômicos. O texto A PERSISTÊNCIA HISTÓRICA DA DESIGUALDADE DE GÊNERO: REFLEXÕES SOBRE O SISTEMA PATRIARCAL, FAMÍLIA E A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO discute o sistema patriarcal e suas relações com a instituição familiar, relacionando-os à perpetuação da submissão feminina ao longo dos anos. Evidenciou, a partir de pesquisa bibliográfica que os papéis de gênero socialmente determinados e intrínsecos ao patriarcado são cruciais para que haja a perpetuação do machismo estrutural na sociedade contemporânea. Enquanto o texto SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO SOCIAL HUMANO: ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO DAS DINÂMICAS DE VIOLÊNCIAS DE GÊNERO NO CONTEXTO DOS TRANSPORTES analisou as vulnerabilidades de gênero na mobilidade urbana, demonstrando que as dinâmicas de violências de gênero nos transportes possuem relação direta com o papel dos grupos vulnerabilizados na sociedade, tornado imprescindível a observação do fenômeno a partir de uma lente interseccional. O estudo possibilitou concluir que a experiência dos usuários e a ausência de políticas que considerem as singularidades e os interesses dos sujeitos contribuem para a insegurança de grupos vulnerabilizados pelo gênero no transporte coletivo urbano.

As produções que seguem a composição dessa edição do Caderno Humanidades em Perspectivas trazem uma interface com a temática da desigualdade e se interrelacionam pelo seu debate acerca do direito à saúde, suas políticas de promoção e proteção, os desafios que a colocam em risco e mesmo aspectos relacionados à formação de profissionais na área. Assim, o texto CORRELAÇÃO ENTRE VULNERABILIDADE SOCIAL E ÓBITOS POR NEOPLASIA MALIGNA DO COLO DO ÚTERO: REGIÃO NORTE BRASILEIRA debate acerca da desigualdade social relacionada aos casos de óbito por câncer de colo do útero. O estudo analisou a correlação entre o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e as taxas de mortalidade por câncer de colo do útero, visando compreender como diferentes níveis de vulnerabilidade social influenciam esses desfechos. A partir de um estudo ecológico do tipo analítico, foi observada correlação moderada entre o IVS e a mortalidade, reforçando que há influência da vulnerabilidade social e ponderando que também outros fatores contribuam para o desfecho em óbito. O trabalho evidenciou a necessidade de políticas públicas que priorizem regiões vulneráveis e ampliem o acesso a cuidados preventivos e de diagnóstico precoce. O texto GENTRIFICAÇÃO E POLÍTICAS DE AUSTERIDADE: IMPACTOS NA SAÚDE E NO ACESSO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA também relaciona vulnerabilidade social e saúde. O artigo investigou a relação entre neoliberalismo, austeridade e gentrificação com o aumento da população em situação de rua e suas condições de saúde e acesso a serviços. Utilizando uma abordagem qualitativa, seus resultados indicaram que políticas neoliberais e de gentrificação intensificam a exclusão social e dificultam o acesso a serviços de saúde e suporte, agravando a vida desta população.

Diante do cenário de relações entre desigualdade e condições de saúde, é imperativo o investimento em políticas públicas que permitam avançar na promoção da saúde e enfrentem as causas que lhe oferecem risco, tanto no âmbito individual como coletivo. Assim, o texto DELIMITAÇÕES ESTRATÉGICAS DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA: EIXO I DO PLANO DANT defende que a promoção da saúde é indissociável da complexidade dos cenários sanitários e dos determinantes sociais e desenvolve um estudo acerca da crescente demanda por cuidados relacionados às Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANT). O estudo compreendeu uma análise documental do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil para o período de 2021 a 2030 e identificou categorias amplas, que abrangem questões relacionadas à comunicação do conhecimento com rigor técnico-científico, bem como ao fortalecimento das conjunturas assistenciais, educacionais e informacionais, por meio do desenvolvimento tecnológico e político dos recursos e da infraestrutura no campo da saúde.

A promoção de saúde e o enfrentamento às desigualdades requer profissionais especializados na área, o que leva aos debates acerca do acesso à formação de nível superior no Brasil, que historicamente priorizou as elites e as ofertas centralizadas, mas avança com propostas que permitem interiorização das ofertas. Nesse campo, o texto DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: UM ESTUDO DO PERFIL SOCIOECONÔMICO EM CURSOS DE GRADUAÇÃO NA METODOLOGIA DE ENSINO A DISTÂNCIA NA ÁREA DA SAÚDE discute o acesso aos cursos de graduação na área da saúde, por meio de metodologias hibridas que congregam aulas presenciais e em Educação a Distância (EaD). O artigo foi elaborado a partir da análise de dados acadêmicos de inscritos na modalidade de ensino híbrido na área da saúde, enfocando seu perfil socioeconômico, que demonstraram que a faixa etária dos participantes é diversificada, incluindo uma presença significativa de estudantes idosos, indicando sua adaptação favorável ao ambiente virtual. A flexibilidade de horários e o custo acessível foram identificados como fatores cruciais na escolha da EaD. Em conclusão, o ensino híbrido se revela como uma alternativa promissora, democratizando o ensino e atendendo às demandas sociais.

Os debates contemporâneos na área da saúde compreendem esferas como a saúde do trabalho, a saúde mental e suas interconexões. Nesse âmbito, a produção HOME-OFFICE: A URGÊNCIA DE UM NOVO OLHAR SOBRE O TRABALHO traz à tona um debate bastante atual, investigando o impacto do trabalho remoto, também conhecido como home-office ou teletrabalho, quanto ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional, saúde mental, desafios enfrentados, produtividade, especialmente no contexto pós-pandemia de COVID-19. A partir de uma pesquisa de abordagem quantitativa e questionário aplicado a 62 profissionais, o estudo compreendeu percepções distintas sobre essa experiência de trabalho. Os resultados indicaram na percepção dos participantes, melhorias no equilíbrio entre vida pessoal e profissional e também aumento na produtividade, enquanto uma parte significativa enfrentou desafios como dificuldade em desligar do trabalho e controlar seu tempo, além de uma minoria relatar impactos negativos na saúde mental. A análise dos dados à luz do referencial teórico revelou uma complexa interação entre benefícios e desafios do trabalho remoto, destacando a necessidade de políticas e práticas organizacionais que garantam o bem-estar e o equilíbrio dos trabalhadores.

A concepção de saúde também deve entrar em pauta, quando se discute o direito à saúde e as desigualdades expressas no cotidiano. Ainda que prevaleçam percepções de saúde a partir de um campo de formação especializado, há de se reconhecer as práticas de cuidado em saúde que envolvem saberes populares. Assim, o artigo ETNOBOTÂNICA DE PLANTAS MEDICINAIS NA MATA ATLÂNTICA: UMA REVISÃO estudou como diferentes culturas utilizam e percebem plantas, destacando sua importância cultural e medicinal. Na Mata Atlântica, esse conhecimento é essencial para a saúde comunitária e conservação da biodiversidade, mas enfrenta ameaças da modernização e urbanização. Este estudo revisou o uso etnobotânico de plantas medicinais na Mata Atlântica, enfatizando a importância do conhecimento tradicional para a saúde comunitária e a preservação ambiental. Os resultados dessa produção evidenciam que o conhecimento tradicional, transmitido oralmente, é crucial para a identificação de substâncias bioativas e a manutenção de práticas culturais e que iniciativas de manejo sustentável e pesquisa participativa são essenciais para a preservação desse saber e da biodiversidade.

Para encerrar a seção de artigos, se tem uma produção que explora o tema de maneira mais lúdica, a partir da análise crítica de um filme. O texto RACISMO AMBIENTAL E ATIVISMO CINEMATOGRÁFICO NA ANIMAÇÃO ELEMENTOS (2023) analisou as diferentes formas de racismo ambiental implícitas na animação Elementos (2023). No filme, o povo do fogo enfrenta segregação e marginalização, sendo forçado a habitar a periferia da cidade. Enquanto isso, outros elementais desfrutam de ambientes estruturalmente planejados e adequados. O estudo conclui que, mais do que entretenimento, Elementos serve como um convite à reflexão sobre o racismo ambiental, promovendo uma cultura jurídica por meio de um ativismo cinematográfico que enfatiza a desigualdade de riscos ambientais em espaços urbanos com base na discriminação étnica e racial.

A edição compreende ainda a publicação de três resenhas, participantes do Concurso de Resenhas Prof. Dorival da Costa – 5a. Edição. Esse concurso bianual se volta à promoção da leitura e teve essa edição comemorativa em alusão aos 10 anos do curso de Bacharelado em Serviço Social. A resenha classificada em primeiro lugar no concurso foi desenvolvida a partir do livro Ética Profissional no Serviço Social de Latif Cassab. A resenha classificada em segundo lugar compreendeu a obra Serviço Social, direito e cidadania, de Amélia Vieira Branco, Gustavo Fernandes Emílio e Nilza Pinheiro dos Santos. A seguinte produção ficou classificada em sexto lugar e foi elaborada a partir do livro Trabalho e sociabilidade, de Carla Andréia Marcelino e Márcio Bernardes de Carvalho. Conclui-se, assim, mais uma edição do Caderno Humanidades em Perspectivas.

Desejamos a todos e todas uma excelente leitura!

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Biografia do Autor

Neiva Silvana Hack, Centro Universitário Internacional (UNINTER)

Assistente Social graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR (2004), Especialista em Gestão Social pela Pós Graduação Bagozzi (2008) e em Formação docente para EaD pela Uninter (2022). Mestre em Tecnologia em Saúde pela PUCPR (2016). Professora do Curso de Bacharelado em Serviço Social do Centro Universitário Internacional - Uninter.

Cleci Elisa Albiero, Centro Universitário Internacional (UNINTER)

Possui Graduação e Mestrado em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003) e Doutorado em Serviço Social pela PUC SP (2021) com estágio de Pesquisa na Università Degli Studio Roma Tre - Roma/Itália. Atualmente é professora do curso de Serviço Social do Centro Universitário Internacional - UNINTER.

Mariana Patrício Richter Santos, Centro Universitário Internacional (UNINTER)

Mestre em Gestão Urbana (PUCPR). Especialista em Gestão Social de Políticas, Programas e Projetos Sociais (PUCPR). Graduada em Serviço Social (PUCPR). Graduada em Direito pela Faculdade Opet. Professora no Centro Universitário Internacional UNINTER. 

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Publicado

2025-11-14